"Último domingo do ano. Última decepção", ela disse.
É impossível uma pessoa se encorajar muito. Muito mesmo. Um bocadão. Isso tudo para que, no final, haja um comentário que mais pareça uma "alfinetada", como a menina dizia. Uma alfinetada pequena e dolorosa. Apenas uma palavra para fazê-la adentrar na escuridão: "simples".
"Homens, uh! Não sabem como lidar com uma mulher!", a menina dizia. "Menina, acalma-te!", seu coração e sua mente pediam. "Não consigo", a menina retrucava. "Então tente", pedia a alma. E a menina se lamuriava e não aguentava mais. Queria desabar no choro, queria se jogar no chão frio, queria comer todo os doces do mundo e ficar diabética em seguida e morrer. Queria se afogar no rio Styx, tendo sua pele queimada a cada instante. Queria fazer outro planeta com suas lágrimas: o Planeta Salgado. Queria cavar um buraco no fundo do mar, onde seria sua cova. Queria ir para o Ártico ou Antártico se transformar em Menina-Noel. Queria pegar a agulha que usava para costurar o vestido e furar o corpo até provocar sua morte. Queria qualquer coisa, menos continuar onde estava. Olhando para onde estava. Pensando no que estava - que era nada, na verdade. Queria desaparecer. E não aparecer nunca mais para mais ninguém - ou só para aquele alguém. Queria ir para os quintos do mundo inferior brincar com os Cérberos e ver se encontrava Pan ou mesmo a ilha de Calipso. Aí ficariam amigas e conversariam sobre os amores que tiveram e se tornaram perdidos. Mas não o fez. Nada disso. Glória!
Perdida. Era isso. A menina encontrava-se do jeito que mais detestava estar: perdidamente presa. Tinha se jogado ao acaso e não sabia aonde o acaso a estava levando. E tudo por causa de algumas pessoas. E por causa dela mesma. Era como se ela estivesse dentro de um maremoto, mas o mar era feito de algo como doce de leite: era grudento, era doce, era agradável, mas, ao mesmo tempo, não era.
Descobriu, com o tempo, que era areia movediça e que estava vendo uma miragem no deserto que se encontrava agora. O deserto era seu cérebro: vazio. Mas vazio porque? Onde estavam seus pensamentos? Na areia. E a areia não era feita de "pedrinhas", era feita de "letrinhas". Cada grão, cada letra. Cada punhado de areia era um pensamento. Pensamentos enlameados. "Eco!", a menina reclamava. "Porque estou assim?", e quanto mais pensava, mais se enlameava e afundava.
Perto de afundar completamente, antes de ver o escuro, a menina pensou em tudo o que fez. Em que a mandou fazer. Quem indiretamente a mandou fazer. Quem sugeriu. Quem deu a ideia. Quem pressionou. Quem a intimou. Pensou: "Queria que você visse e sentisse o estrago que fez comigo. Aonde me levou. E o que há onde estou". Suas palavras saíam e cada letra que pensava, realmente saía: se desprendiam das palavras e cada uma delas se juntava ao enlameado que prendia a menina.
Afundando devagar, indo pra bem fundo, a menina ia, enfim e sem saber, para onde queria. Lugar algum.
Viajando nas trevas, a menina pensava escuro, pois nada que fizesse tinha cor, nem sabor, nem odor... Não se sabia de nada. Só sabia que se fazia. Era como se alguém tivesse apagado a lua do céu na hora em que nenhuma luz fica ligada. Como se a língua fosse anestesiada e o nariz cortado fora e os ouvidos tapados sem serem tapados.
Vazio....
Pensava em todas as tantas coisas idiotas que conseguiu fazer. Em tanta gente que culpou. Em todas as coisas que queria falar e não falou. Em todas as direções que viu, mas não encontrou nenhuma nítida o suficiente para seguir e dizer que seguiu. "Droga. E glória. Finalmente estou onde gostaria de estar, mas... E agora? Agora que vocês já me puseram no chão e me pisotearam até que não sentisse mais o meu corpo. Agora que já gritaram até que eu ficasse surda. Agora que já brilharam tanto que me deixaram cega. Agora que cortaram a minha língua e me imobilizaram, que querem que eu faça? Que querem de mim? Podem me deixar sozinha para que eu reflita sobre como vou resolver minha situação. Já que estou em lugar algum, é melhor que eu encontre um modo de me adaptar e um buraco pra escapar."
#continua...
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